segunda-feira, 16 de maio de 2011

Equívocos do voto em lista


Por Antônio Augusto Mayer dos Santos
Em países onde há um número menor de partidos e há expressa limitação ao exercício de mandatos sucessivos, o Voto em Lista é uma forma racional de preenchimento das vagas nos parlamentos, sobretudo onde o índice de corrupção eleitoral é excepcionalmente menor. No Brasil, onde os Tribunais Eleitorais cassam mandatos às dezenas e existem 27 partidos (ou siglas) habilitados às disputas, não há menor condição para esta realidade.
O país não pode absorver de forma acrítica e meramente idealizada um sistema de escolha inspirado em países onde os partidos políticos ostentam histórias de 70 anos ou mais. Outras circunstâncias evidenciam o equívoco da sua introdução num país onde os dirigentes partidários não tem o hábito de estimular renovações em cúpulas nacionais.
A primeira, amparada em rumorosos episódios de corrupção parlamentar (“Mensalão”, “Sanguessugas”, etc), de que há o risco das listas serem desviadas de sua finalidade precípua para, na penumbra dos oportunismos partidários, viabilizar abrigo a filiados punidos buscando imunidade parlamentar ou expulsos de agremiações, dentre outras hipóteses.
A segunda, que pelo fato da redação do caput do art. 14 da Constituição Federal dispor que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, a lista, seja o formato que tiver, poderá sofrer questionamento judicial, leia-se Supremo Tribunal Federal, sob o poderoso argumento de que a seleção de nomes foi referendada diretamente pela esfera partidária mas indiretamente pelo eleitor. Ora, o eleitor é o destinatário da representação popular.
Este é um elemento substancial porque a Carta Republicana não prevê critérios intermediários para determinar a representação popular. Neste sentido, pode-se inclusive dizer que os filiados passarão a gozar de um status de “mais cidadãos” que os demais eleitores, o que equivale estabelecer uma hierarquia neste setor. Quanto mais não fosse, o Congresso Nacional não está analisando sequer o item dos quocientes (partidário e eleitoral). Logo, há uma notável contradição em propor o gênero sem alterar a espécie.
Terceira, que não haverá nenhum impedimento legal para que partidos cujas nominatas não aglutinem densidade suficiente lancem – sabe-se lá sob que critério – no topo da lista alguma personalidade para captar os sufrágios necessários e, com isso, eleger uma nominata de coadjuvantes sem expressão política.
Por fim, a elaboração das listas preordenadas remeterá às Comissões Executivas e Convenções Partidárias um conjunto de atribuições e responsabilidades sem precedente na história da legislação eleitoral, o que escancara a complexidade de um instituto jurídico desta dimensão. Com isto, sem o estabelecimento de critérios legais diretos para reprimir falcatruas ou fraudes partidárias, o processo fica imperfeito e pior que o vigente. Afinal, o voto de cada convencional ou filiado passa a ser estratégico para uma (boa) colocação na lista. E os projetos legislativos que tramitam se omitiram deste “detalhe”.
O eleitor brasileiro merece ter preservado o seu amplo direito de escolha nominal dos candidatos às assembléias políticas sob pena de se determinar o renascimento de oligarquias partidárias ao estilo daquelas que infelicitaram a República Velha e levaram este País a uma revolução, em 1930. Por conta de tudo isso, é possível conjecturar que o sistema de lista fechada poderá se erigir num poderoso obstáculo à renovação dos quadros partidários, tornando as cúpulas imbatíveis. Como bem sintetizou o jornalista Igor Paulin em matéria da revista Veja (nº 2217, 18.05.2011, pp. 75), “Na geléia geral dos partidos brasileiros, em que há gente que que admite não ser “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”, não há menor justificativa para isso”.
Em suma: este não é um modelo sensato para um país como o Brasil.
Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

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