Por Antônio Augusto Mayer dos Santos
Em resposta a uma Consulta formulada por um Congressista, na sessão do dia 17 de junho, os Ministros que formam o Tribunal Superior Eleitoral decidiram que as regras da vulgarmente denominada Lei da Ficha Limpa deverão ser aplicadas nas Eleições 2010, inclusive para os casos de condenação anteriores à vigência da lei. Ou seja: o que consta da lei se aplica aos casos concretos que surgirem no âmbito da Justiça Eleitoral.
A LC 135/10, que pelo visto será conhecida e referida pela maioria como Lei da Ficha Limpa, estabelece, em síntese, que candidatos que tiverem condenação (criminal, eleitoral ou cível) por órgão colegiado, ainda que caibam recursos, ficarão impedidos de obter o registro de candidatura, pois serão considerados inelegíveis. Ou seja: ainda que a decisão seja de primeira instância, se esta for colegiada, a mesma determinará que o condenado possa continuar votando mas não ser candidato.
Nesta decisão, a tese de interpretação vencedora foi a do relator, Ministro Arnaldo Versiani, o qual manifestou o entendimento de que não se trata de retroatividade e sim de aplicação da lei, exatamente nos termos do que fora debatido e aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República.
O argumento se sustenta, eis que a lei nova, tanto quanto a anterior, não é de natureza penal. Portanto, ainda que contendo disposições e punições bastante severas, pode regulamentar situações pretéritas. Além disso, “vida pregressa”, no sistema jurídico brasileiro, é uma situação dúplice, que abrange antecedentes sociais e penais, sendo, por isso mesmo, de consideração necessária a presunção de não-culpabilidade (ou de inocência, como referem alguns) prevista na Constituição Federal.
Quanto mais não fosse, na própria exposição dos motivos da edição da Lei Complementar nº 64, de 1990, agora alterada e endurecida, consta que “o objetivo primacial da presente propositura é estabelecer limites éticos de elegibilidade, especialmente no que diz respeito ao exercício do poder; à influência do comando sobre comandados; ao poder de império dos controladores do dinheiro público; ao uso dos meios de comunicação de massa; e aos efeitos espúrios do poder econômico por parte dos que postulam funções eletivas e o exercício da administração pública”.
A posição do TSE foi firmada por maioria de votos, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Marcelo Ribeiro. O Ministro Marco Aurélio, que recentemente completou 20 anos de magistratura no STF, votou invocando o respeitável entendimento de que uma lei que altera o processo eleitoral não pode ser aplicada exatamente à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência, conforme determina o artigo 16 da Constituição Federal (entretanto, a jurisprudência consolidada no STF está em sentido oposto a este). O Ministro afirmou também que uma lei nova, em regra, não pode reger situações anteriores.
Portanto, em vista de que a decisão do TSE pode ter contrariado o texto da lei examinada, eis que uma emenda do Senador Francisco Dornelles (RJ) consagrou a expressão “os que forem condenados”, a matéria pode ser remetida ao Supremo Tribunal Federal. Caso não seja, os Governadores de Estado cassados entre 2008 e 2009 não poderão concorrer a nada em 2010, mesmo que a muito condenados e afastados de seus cargos. Contudo, em situação ainda mais dramática ficam os Vices, que são condenados, salvo se não incorreram em infração eleitoral, apenas porque integram a chapa majoritária.
Em resumo: o tema é juridicamente relevante e complexo, podendo refletir em mandatos obtidos na eleição de outubro próximo, para qualquer cargo em disputa.
Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.
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